COMO ANDAM OS PRINCÍPIOS DO VATICANO...

COMO ANDAM OS PRINCÍPIOS DO VATICANO
Texto: Roulien Boechat (Historiador)

Aqueles que hoje comandam a Igreja Católica conservam uma visão negativa do mundo (acusado de relativismo de valores); sentem-se incomodados com o pluralismo religioso; insistem em manter, como estrutura básica da instituição, o modelo paroquial, próprio de uma sociedade pré-moderna, na qual relações humanas eram determinadas por proximidade geográfica; miram com desconfiança a mulher, impedida de acesso ao sacerdócio, como ser ontologicamente inferior ao homem; conservam uma visão deturpada da sexualidade, a ponto de condenarem relações sexuais que não tenham como estrito objetivo a procriação dentro do matrimônio; abominam as relações homoafetivas, e têm pouca sensibilidade ao mundo da miséria e da pobreza.
No entanto, dentro dessa mesma Igreja Católica vicejam novos modelos pastorais, como as Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação, que facilita a releitura da Bíblia pela ótica dos oprimidos e das mulheres.

Até a década de 1960, o padre celebrava a missa em latim e de costas para os fiéis. Neste mesmo período, a Igreja Católica afirmou que a separação entre o Estado e a religião era um fruto positivo da filosofia moderna. Estas e outras profundas transformações abalaram alguns importantes alicerces em que a Igreja de Roma se baseou a partir do século XVI, com o Concílio de Trento (1545-1563). Era a crise da identidade tridentina, levada a termo com a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965), o maior evento religioso do século passado, a 21ª grande reunião de bispos e alguns religiosos de todo o mundo com o intuito de discutir os rumos que a Igreja deve tomar.
A Igreja foi se isolando e se fechando desde o século XVI, primeiramente como reação ao cisma protestante, que adveio das inquietações teológicas de Martinho Lutero (1483-1546), e, posteriormente, ao pensamento liberal e à doutrina comunista. Tornava-se uma “fortaleza sitiada”, interpretando a emergência da modernidade como um grande mal que se abatia sobre o cristianismo. No século XIX e no início do XX, esta tendência foi reforçada ainda mais com os papas Gregório XVI (1831-1846), Pio IX (1846-1878) e Pio X (1903-1914), que lançaram inúmeras condenações contra os principais elementos da cultura moderna, ficando conhecida como ultramontana, “detrás os montes”, ou seja, referente àqueles que estão aquém dos Alpes, com Roma e apoiando todas as decisões do Sumo Pontífice. Porém, essa tendência passou a conviver com diferentes movimentos no seio do catolicismo que, ao contrário, defendiam uma Igreja capaz de dialogar com o mundo, mais aberta à participação do fiel em suas atividades, e que respondesse de forma mais plausível aos desafios do mundo.
Quando o Concílio Vaticano II foi convocado, o mundo já estava bem diferente daquele dos séculos anteriores: já vira duas grandes guerras, o surgimento do nazifascismo, a emergência e a consolidação de Estados comunistas por todo o mundo, a concretização das democracias liberais, o desenvolvimento dos meios de comunicação, a liberalização moral, o pluralismo religioso e a diminuição da influência das instituições religiosas na esfera pública. O Vaticano II foi a resposta da Igreja aos novos desafios colocados pelo novo mundo que surgia. Ou seja, uma grande tentativa de atualizar a Igreja – realizar seu aggiornamento, palavra em italiano que significa atualização, muito utilizada pelos bispos e religiosos participantes do concílio.
O fato é que este concílio se diferenciou de todos os anteriores, pois não tinha sido convocado para condenar uma forma de se pensar e agir, nem para promulgar dogmas, como acorrera nos vinte já então realizados. Em quatro anos, de 1962 a 1965, inúmeras questões doutrinais, morais e políticas foram debatidas em uma assembleia instalada na nave central da Catedral de São Pedro, no Vaticano, com a presença de milhares de bispos e religiosos, vindos dos quatro cantos do planeta. A Igreja precisava dar uma resposta a esse mundo em transformação, reafirmar seu papel na contemporaneidade e apontar novos rumos. Precisava demonstrar que não era uma instituição tradicional e milenar já sem contato com a realidade circundante e sem ressonância no mundo.
Foram debatidos temas que mudaram significativamente o rosto do catolicismo. Pretendia-se passar de uma Igreja fechada em si mesma a uma Igreja aberta ao mundo, capaz de seguir sua missão, levando a mensagem evangélica a todos os confins do mundo, e assim aprender com ele. Uma profunda mudança de compreensão de si mesma, que ainda se continua a sentir.
Hoje, entre os historiadores do catolicismo, há discussões sobre os significados do Concílio Vaticano II, sua atualidade, ou se um novo concílio se faz necessário. A questão central se debruça sobre os papados de João Paulo II (1978-2005) e Bento XVI. O primeiro cumpriu e o segundo cumpre os programas do concílio? Ou, ao contrário, como defendem alguns, eles dificultaram sua aplicação ao interpretar o concílio de maneira restrita?

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